Posicionamento da ABA sobre a chacina resultado da operação policial no Rio de Janeiro
O Instituto Brasil Plural (IBP) compartilha a nota pública da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que manifesta repúdio à política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, marcada por ações militarizadas que produzem mortes e ampliam o terror nas favelas. A nota, assinada também pela ANPOCS, pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e pela Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), denuncia a gravidade da operação policial que resultou na morte de, pelo menos, 132 pessoas — a mais letal da história do país.
👉 Leia a íntegra da nota abaixo.
Posicionamento da ABA sobre a chacina resultado da operação policial no Rio de Janeiro
Na manhã do dia 28 de outubro de 2025 foi deflagrada uma “mega operação” conduzida por dois mil e quinhentos policiais das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ e PMERJ) e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio de Janeiro (Gaeco/MPRJ), nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A intervenção estatal teve como objetivo manifesto “cumprir mandados de prisão contra integrantes de uma facção criminosa”. Contudo, além das 81 prisões produzidas até a publicação desta nota, a ação resultou em, pelo menos, 132 pessoas mortas. Entre elas, 4 são policiais e as demais vítimas civis. Trata-se da operação mais letal da história brasileira, superando a chacina do Jacarezinho, acontecida em maio de 2021 no Rio de Janeiro, quando 28 pessoas foram mortas em operação liderada pela Polícia Civil; assim como o Massacre do Carandiru, ocorrido em São Paulo em 1992, quando 111 pessoas foram mortas pela Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo. Desta vez, no entanto, a chacina tem a anuência e a participação direta do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Através desta Nota, a Associação Brasileira de Antropologia, por meio da Comissão de Direitos Humanos da ABA, do Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal e do Comitê Antropologia Negra Brasileira, manifesta seu repúdio à política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro nos moldes que vem sendo concebida, planejada e executada pelo governo estadual, através de operações e incursões militarizadas que resultam na produção de mortes, na proliferação do terror e em discursos políticos e sociais de ódio e legitimação de ações de extermínio.
Essa política vem sendo conduzida pelo poder político estatal em uma escalada crescente em sua expressão repressiva e letal. Em 20 de outubro, ou seja, há menos de 10 dias, a ABA emitiu Nota de Repúdio diante da aprovação da chamada Gratificação Faroeste, aprovada em 23 de setembro como parte da nova lei orgânica da Polícia Civil do Rio de Janeiro – Lei nº 6.027/2025. A medida prevê aos policiais civis uma “premiação em pecúnia (…) em caso de apreensão de armas de grande calibre ou de uso restrito, em operações policiais, bem como em caso de neutralização de criminosos”.
A operação do dia 28 de outubro não pode ser lida apenas como “mais uma ação de segurança pública”: ela é expressão de uma política racializada de produção da morte. Os complexos da Penha e do Alemão são territórios majoritariamente negros e pobres, e aquilo que o Estado nomeia como “megaoperação” se materializa, na prática, como uma intervenção militarizada direcionada a esses corpos específicos. No Rio de Janeiro, dados oficiais sistematizados por redes de monitoramento indicam que aproximadamente 86% das pessoas mortas por intervenções policiais são pessoas negras (pretas e pardas), embora pessoas negras representem pouco menos de 60% da população fluminense; nacionalmente, estimativas recentes apontam que quase 90% das pessoas mortas pela polícia no Brasil são negras, e que jovens negros do sexo masculino seguem como principal alvo letal das forças de segurança.
O que ocorreu na Penha e no Alemão no dia 28 de outubro de 2025, em uma ação que mobilizou milhares de agentes, blindados, helicópteros e drones e produziu dezenas de mortos reconhecidos oficialmente, e mais outras dezenas de vítimas que foram encontradas na manhã do 29 de outubro por moradores e familiares, não é um “excesso pontual”, mas a atualização previsível de uma tecnologia de produção de morte e de repressão que seleciona quem pode viver e quem deve ser eliminado.
Nesse estado de coisas, a presente intervenção estatal coloca em ação, de forma espectacular, uma política de segurança pública eminentemente repressiva e letal e evidencia os múltiplos interesses políticos e econômicos das ações do governo, que, longe de resolver a dita “situação de criminalidade”, incide sobre a vida, a paz e a dignidade dos moradores do Rio de Janeiro.
A ABA conclama o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a acompanharem de perto as investigações sobre a operação, bem como a fiscalizarem a atuação das forças de segurança e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a fim de garantir transparência, imparcialidade e justiça às vítimas e seus familiares. Ainda manifesta sua preocupação pela recorrência incessante de ações policiais que resultam em chacinas e cuja espetacularização, através da circulação de imagens de terror, se torna mercadoria política e eleitoral. A ABA, por fim, se solidariza com as famílias das vítimas e todo o conjunto de moradores das favelas impactadas diretamente em mais uma ação violenta do Estado.
Brasília, 29 de outubro de 2025.
Texto elaborado pela Comissão de Direitos Humanos/ABA, em parceria com o Comitê Antropologia Negra Brasileira/ABA e o Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal/ABA
Associação Brasileira de Antropologia (ABA); Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP); Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS); Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS); e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
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